
Quantos tantos outros já houve
Anos
Quantos ainda virão
Dias
Escondidos no esquecimento estão
Os que foram
Onde estarão
Os que vêm
Chegarão de ônibus
Ou de trem
De camelos
Eles vêm
Dias
E anos
Tempo
Que se vai
Que se vem
Quem?


Todo aquele que escreve é um apaixonado.
Afinal, por que dar o melhor de si a quem jamais irá conhecê-lo
Por que desnudar-se para olhos alheios, possessos de cobiça
Que o desejam para se apoderarem do seu melhor sentimento
E sua única vontade, pra depois, de usá-lo, jogá-lo
No quintal imundo de uma consciência perdida
Por que imaginar que os olhos que te lêem
Querem entendê-lo, e assim, apaziguar
O tormento que carregas dentro de ti
Que te consome a cada instante
Em forma de palavras
Escritas
Malditas
Por quê?
Por que passar os dias a viver para os outros
E conceber um sonho que vai deixá-lo
Assim que abrires os olhos
Para o instante seguinte
Quando deitar o lápis
Querendo descansar
Imaginando-se convicto
Que cumpristes a missão
Quem és tu?
Pensas que és Deus?
E que todos aqueles olhos que te lêem
Acreditam nisto?
És um jardineiro!
Que sem plantas a cuidar
Sem flores a sorrir
Percorre a lembrança dos lírios e das gérberas,
Das orquídeas e violetas
E deixa-se sentar no gramado úmido
Num final de tarde como este
Esperando o pôr do sol
Que não demora a vir
O último

Há uma grande diferença entre o que se vive e o que se escreve. E o que se escreve e se imagina viver. Abreviar a vida não é terminar o caminho. É apenas desviar do caminho. Há quem faça do Inferno poesia. Esse é o melhor retrato que se pode obter de tão nefasto lugar. E mesmo assim, não costuma ser dos mais agradáveis. Deixemos as dores às palavras. Porque elas, as palavras, sabem cuidar das dores melhor do que nós.

Imagino como seria
Tocar o seu rosto
Despertá-la a cada manhã
Com um beijo
Começar à mesa, o dia com você
Ser o seu primeiro olhar
O primeiro momento
De um dia lindo
De primavera
Quando setembro vier
Colherei as flores do jardim
Pra que ao chegar
Ao final da tarde, em casa
Você as encontre
No vaso, à tua espera
Imagino como seria
Terminar o dia ao seu lado
Fazê-la adormecer em meus braços
E enquanto procuro entender
Como tudo em meu redor exala perfume
E as palavras não me faltam
Quando você está no meu pensamento
Espero que um dia, estejas
Ao meu lado

Pássaro noturno sou
E venho protegê-la da noite
Do frio que o silêncio traz
Venho romper este silêncio
Com minha dor
Que se desfaz num canto
Contido, esquecido, parido
Pelo medo de continuar
E a certeza de partir
Pássaro diurno sol
Que surgi em tua vida
Ao sorrir da manhã
Passa como o vento
E como o tempo, pássaro
Sem deixar vestígio
Perde suas asas
E já não canta
Abriga-se na copa
Em meio às folhas
Molhadas pela chuva
Que insisti cair




Quem me conhece amiúde, quem lê os meus textos, imagina que sou destemido, ousado e, por vezes, senão sempre, arrogante. Não conhecem metade da reza. Sou tímido, inseguro e tenho medo terrível de tudo a minha volta. Cada olhar que me encontra pode ser um inimigo a me espreitar. Quando mais jovem, porque jovem sempre sou, porque assim é meu espírito, eu exorcizava meus demônios e espantava meus medos nos braços da noite, no acalento da brisa da manhã, borrifado de perfumes que não eram os meus, e sorvido por goles de delírio e prazer que não me pertenciam. Mas o trem da vida continua a seguir o seu destino e se a gente não pula fora sempre chega à próxima estação. Agora que escrevo estas linhas, estou linkado no youtube ouvindo (e não vendo) "Loves come quickly" do PSB. Noites e mais noites ao embalo desta música. E de outras. Ali, naquele mármore de indiferença, desprezo e revolta forjou-se o escritor, que escreve linhas como estas, na busca insana por espantar para longe de si todos os seus medos. E a dúvida cruel persiste. A um passo de distância da liberdade. Um movimento. E de repente tudo se desfaz, se desmancha e a vida se deforma e ganha contornos de Munch. E olhar de Cortazar. Faz frio e a noite chega. O medo é como chama ardente que envolve, domina e consome. Os sinos não irão tocar esta noite. Talvez o façam pela manhã. O copo se quebrou e o líquido é precioso demais para ser sorvido de maneira tão vulgar. Por isso talvez eu adormeça esta noite. Talvez. As roupas estão sobre a cama, a toalha no chão, o gato no telhado, a lauda, em branco, no carro da máquina de escrever, esperando... esperando a sintonia, o momento em que tudo conspira a favor, o momento em que se deflagra a revolta, que se faz a rebelião. Alguém me convenceu que bastariam palavras para a minha vingança. Há de pagar por isso.